É preciso conhecer

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domingo, 4 de agosto de 2013

Drauzio Varella estreia quadro sobre autismo no "Fantástico"

Autoria: em 4 agosto, as 12:45 Em Brasil

 
04/08/2013- 12h00
GISLAINE GUTIERRE
DE SÃO PAULO
“Autismo: Universo Particular” é o novo quadro que o médico e colunista da Folha, Drauzio Varella estreia neste domingo (4) no “Fantástico”. O programa vai ao ar às 20h45.
Em quatro episódios, Varella vai mostrar histórias de pacientes –dos recém-diagnosticados àqueles que consiguiram superar limites e avançar na convivência social e familiar.
O objetivo é ser didático sobre essa síndrome, abordando desde os sintomas até as possibilidades de melhoras com tratamentos, além de falar sobre inclusão no mercado de trabalho.
“Apesar de o autismo acometer aproximadamente uma criança em cada 100, há muita falta de informação. As características mais importantes do comportamento autista são pouco conhecidas até pelos médicos”, diz Varella, que há dois anos já pensava em levar o tema ao “Fantástico”.
O debate agora ganha força com a inclusão do tema na novela das 21h da Globo, “Amor à Vida”. Na trama, Bruna Linzmeyer interpreta a autista Linda. Tanto ela quanto o autor da novela, Walcyr Carrasco, darão depoimentos no quadro do programa de domingo.
“A intenção é desmistificar o transtorno”, diz Varella. O médico explica que, no passado, a culpa do autismo era atribuída aos pais, por supostamente terem criado um ambiente doméstico conturbado para o filho. E, principalmente, culpava-se as mães: até a década de 1960, acreditava-se que uma mãe distante e fria seria a causa do autismo em crianças.
“Hoje sabemos que se trata de um transtorno de desenvolvimento com causas genéticas influenciadas pelo ambiente”, diz.
A falta de conhecimento, segundo Varella, tem origem na própria formação dos médicos, já que as faculdades dão pouca importância ao assunto. “Como consequência, os médicos demoram muito para fazer o diagnóstico,. A demora faz com que se perca a oportunidade de tratar as crianças nas fases em que estão mais receptivas às mudanças de comportamento”, diz.
Em comum, os autistas têm dificuldade de relacionamento social e comunicação, mas o transtorno pode se apresentar de diversas maneiras. No episódio de hoje Varella vai mostrar dois casos bem diferentes. Um deles é sobre dois garotos completamente dependentes dos pais; o outro, sobre dois meninos que são gênios na matemática.
A série tem a consultoria de José Salomão Schwartzman, neurologista e professor do curso de pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Alfabetização de crianças com Autismo: instalando a função da leitura e da escrita e a compreensão e interpretação de textos

No último artigo vimos algumas estratégias especiais de alfabetização de crianças com dificuldades de aprendizagem, estratégias estas que se baseiam na teoria da equivalência de estímulos. Dando continuidade a esta fase da aprendizagem acadêmica, veremos agora alguns procedimentos eficazes para instalar respostas de leitura e escrita mais refinadas em crianças com desenvolvimento atípico, particularmente, com autismo. Estas atividades visam treinar a função acadêmica e social da leitura e da escrita. 
As atividades aqui descritas não precisam, necessariamente, serem feitas após a alfabetização formal, algumas delas podem ser conduzidas paralelamente à alfabetização. 
A primeira preocupação do terapeuta analista do comportamento durante qualquer processo de ensino deve ser a generalização das habilidades ensinadas para contextos mais naturais, saindo do contexto artificial e especialmente preparado para a aprendizagem no qual se configura o setting terapêutico. Durante a alfabetização esta preocupação também deve permear todo o trabalho. 
Visando a generalização das palavras aprendidas na pré-alfabetização (tema do último artigo) e o treino da função da leitura e da escrita, o terapeuta pode produzir, junto com a criança, um livrinho com as palavras trabalhadas na pré-alfabetização. A criança deve completar cada página do livro já montado pelo terapeuta, como no exemplo abaixo. 
Depois de montar o livrinho todo, a criança pode ler a história para alguém. Neste momento, a criança tem a oportunidade de experimentar a principal função da leitura, afinal ela será capaz de ler algumas frases, já que estas são montadas com palavras-chave já treinadas. 
Com este mesmo livro produzido junto com a criança e, também, com outros livros simples (frases curtas; letra bastão grande; imagens claras; começo, meio e fim bem definidos; etc.), pode-se aplicar um conjunto de atividades que visam o treino de leitura e escrita; ampliação de interesses; aprofundamento do conteúdo de conversas e comentários; treino da atenção na leitura e no reconto do texto; compreensão e interpretação do texto. Abaixo descrevo estas atividades. 
Visando gerar interesse pela história e, com isso, motivação para as atividades que se seguem, a primeira atividade que deve ser feita é apresentar a história em vídeo (caso exista um filme sobre ela) ou em uma apresentação no Power Point com fotos de cada página do livro. O uso da mídia gera um interesse inicial maior do que se já começarmos direto com o livro. 
Em seguida, o terapeuta deve contar a história mostrando cada página do livro e garantindo que a criança preste atenção. Para isso, a história deve ser apresentada de maneira clara e breve, de preferência dividida em 4 ou 5 atos. O terapeuta deve estimular que a própria criança leia a história ou partes dela, a depender do passo da alfabetização em que ela está. Se a criança ainda não lê, ela deve, pelo menos, acompanhar a leitura com o dedo nas palavras. Durante a contagem o terapeuta deve, ainda, pedir respostas que garantam a atenção e participação da criança. Por exemplo, em cada página do livro o terapeuta pode pedir que a criança aponte (repertório de ouvinte - identificação) e/ou nomeie (repertório de falante – tato) personagens ou itens do cenário. Com crianças que tenham o repertório verbal mais desenvolvido pode-se, ainda, estimular respostas intraverbais, como “Está de noite ou de dia?”, “Onde morava o Pinguim?”, “Que cor é o lobo?”, etc. 
Em seguida o terapeuta pode pedir que a criança ordene as principais cenas da história, começando com 3 cenas e depois evoluindo para 5 a 7 cenas. Para isso, o terapeuta deve apresentar figuras com as principais cenas da história em ordem aleatória e mostrar cada uma para a criança. Em seguida a criança deve colocar as figuras na ordem em que ocorrem na história. Se necessário, o terapeuta deve dar ajuda física (pegando cada cena junto com a criança) ou gestual (apontando a próxima cena). Esta atividade vai garantir a compreensão da sequência lógica que permeia qualquer história, além de treinar esta habilidade que é fundamental para a compreensão de histórias, cenas e situações cotidianas. 
Com crianças autistas o apoio visual é sempre útil, por isso, pode ajudar bastante fazer a ordenação das cenas em uma prancha numerada e com quadros delimitados para cada cena, tal como exemplificado abaixo. 
Seguindo o sequenciamento visual feito na atividade anterior, a criança deve ser estimulada a verbalizar a sequência da história, utilizando as palavras de conexão como “primeiro, depois, então”. Os quadros ordenados servem de dicas para ela contar a história. Para isso, o terapeuta deve estimular que a criança coloque seu dedo em cada cena na medida em que vai contando a história. A depender do nível de alfabetização, peça para a criança escrever frases simples deste seu “resumo”. Este resumo escrito também pode ser feito com cópia, ou seja, o terapeuta escreve as frases que a criança falou durante o reconto da história e, depois, a criança copia seu próprio resumo. 
Outra atividade que contribui muito para a compreensão da história que está sendo trabalhada é a dramatização dos principais personagens e acontecimentos. Para isso, devem ser preparadas roupas ou acessórios característicos dos principais personagens. A criança deve preparar estes acessórios junto com o terapeuta, aproveitando para treinar habilidades grafomotoras como: recortar as orelhas do lobo; desenhar e recortar o chapéu do caçador; etc. Também pode-se utilizar brinquedos, miniaturas ou fantoches para a representação dos principais personagens. Depois da caracterização, a criança e o terapeuta devem encenar cada ato da história com diálogos básicos e curtos. O terapeuta deve dar as ajudas físicas e verbais (dica ecóica ou intraverbal) necessárias. 
Partindo para atividades de interpretação propriamente dita, o terapeuta pode elaborar de 3 a 4 questões sobre a história. Neste momento as questões devem ser sobre informações facilmente extraídas do texto, por exemplo, questões como: “Onde aconteceu?”, “Quem estava lá?”, “O que o personagem fez?”, etc. As respostas podem ser somente verbais; ou por escrito; ou ainda, a criança responde verbalmente, o terapeuta escreve a resposta e, em seguida, a criança a copia. 
Novamente buscando o apoio visual, sugere-se também fazer atividades de completar lacunas ou questões de múltipla escolha. O terapeuta deve desenvolver exercícios nos quais a criança vai preencher lacunas ou marcar um X na resposta correta, com informações que podem ser facilmente encontradas no livro. Aqui vale introduzir conceitos acadêmicos que estejam no currículo da escola, por exemplo: conceito de opostos; quantidades; estações do ano; formas geométricas; etc. Com crianças autistas, é interessante usar texto e imagens nas questões, como exemplificado abaixo. 
Com crianças mais velhas e mais avançadas no processo de alfabetização, pode-se também fazer questões que a estimulem a extrair informações das entrelinhas, criando hipóteses e entendendo o “porquê” das coisas. Nesta etapa o aplicador deve desenvolver perguntas que não podem ser diretamente respondidas com as dicas visuais do livro (Ex: “Quem era o porquinho mais esperto?”; “Porque a bruxa não gostava da Branca de Neve?”; etc.). Para responder a criança poderá reler partes do texto. 
As atividades de registro, comumente feitas em salas de aula regulares após a leitura de uma história, também são fundamentais. A partir do tema da história, a criança deve trabalhar em alguma atividade grafomotora, como: desenho com pontilhado; desenho livre; escrever os nomes dos personagens; recorte e colagem; etc. 
Os tablets também são um meio eficaz para estimular o interesse pela leitura e pela escrita, bem como para a aquisição da função social e comunicativa destas respostas. Existe uma infinidade de aplicativos que estimulam a leitura e a escrita, como: livrinhos virtuais que contam a história com áudio; treino da escrita de letras e palavras na tela do tablet; aplicativos nos quais a criança pode montar uma história usando fotos ou imagens da internet e digitando as frases; etc. 
Nesta fase da intervenção terapêutica e acadêmica, também sugere-se apresentar os diversos usos da leitura e da escrita, como: jornal – o adulto pode ler o caderno infantil ou alguma reportagem que envolva um tema do interesse da criança junto com ela, estimulando que ela leia as palavras-chave; livro – trabalhar os livros indicados na escola ou outros que sejam de interesse da criança com as atividades descritas acima; bilhete – estimular que a criança escreva bilhetes para os familiares e amigos da escola (usando ditado ou cópia como apoio, se necessário); e-mail - ensinar a usar o e-mail e mandar mensagem para pessoas que estão distantes; combinados – escrever combinados para a aula ou terapia e ler diariamente; etiquetas – colocar etiquetas escritas pela própria criança nos brinquedos, móveis e objetos da casa; propagandas – recortar e colar propagandas de alimentos preferidos e, depois, ir ao supermercado com esta “lista de compras” e comprar cada item; letra de música – a criança pode ajudar a encontrar a letra de uma música que goste muito na internet e, depois, ouvir a música e cantar junto com a letra na mão acompanhando com o dedinho em cada palavra (sugere-se usar letra bastão grande e destacar as palavras que a criança é capaz de ler); enunciados – nas lições de casa a criança deve ler os enunciados, compreender o que pedem e executar a tarefa; placar de jogos – em jogos coletivos podemos fazer um “placar” onde a criança deve escrever os nomes dos jogadores e sua pontuação no decorrer do jogo, no final ela deve dizer quem ganhou consultando o placar. 
Com estas e outras atividades que podem ser elaboradas a partir destas, vamos refinando a leitura e a escrita, dando função para este repertório, garantindo seu uso funcional no dia-a-dia e sua generalização para contextos naturais. 
Referências Bibliográficas: 
Bagaiolo, L. & Guilhardi, C. (2002). Autismo e preocupações educacionais: Um estudo de caso a partir de uma perspectiva comportamental compromissada com a Análise Experimental do Comportamento. In: Guilhardi, H. J., Madi, M.B. P., Queiroz, P. P., Scoz, M. C. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. 1ª Ed. Santo André: ESETEC, v. 10, p. 67-82. 
De Rose, J. C. (2005). Análise Comportamental da Aprendizagem da Leitura e Escrita. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 1, 29-50. 
Souza, D. G. & De Rose, J. C. (2006). Desenvolvendo programas individualizados para o ensino de leitura. Acta Comportamentalia, 14, 77-98.

Autismo: Estratégias para aumentar a autonomia nas Atividades de Vida Diária (AVDs)

Dando continuidade ao ensino de novas habilidades para crianças com autismo, vamos falar hoje sobre o treino de uma categoria de comportamentos fundamental para a qualidade de vida da criança autista e de seus familiares: o treino da autonomia nas atividades de vida diária (AVDs). Chamamos de AVDs as atividades rotineiras, ou seja, que são realizadas diariamente com funções de auto-cuidado e higiene pessoal. São elas: lavar as mãos; escovar os dentes; usar o banheiro; alimentar-se; tomar banho; vestir-se; utilização de eletrodomésticos; etc. 
As crianças diagnosticadas dentro do espectro do autismo apresentam muita dificuldade na aprendizagem das atividades de vida diária, ficando dependentes de um adulto por mais tempo do que uma criança com desenvolvimento típico. Esta dificuldade se dá devido às deficiências na área da linguagem e das habilidades sociais. Ou seja, uma criança que não aprendeu a habilidade social de imitar não inicia as atividades rotineiras espontaneamente, imitando os adultos, como as crianças com desenvolvimento típico fazem com tanta naturalidade. Da mesma forma, uma criança que não desenvolveu a linguagem receptiva (compreender o que os outros dizem) não segue as instruções verbais dadas pelos adultos na execução das atividades rotineiras. 

Na última semana tive a alegre oportunidade de passar alguns dias com as filhas gêmeas de uma amiga. Seguindo o caminho de seu desenvolvimento típico as meninas estão quase completando os 2 anos de idade. A minha prática diária com crianças com atraso no desenvolvimento, para as quais tudo é difícil e tem que ser muito planejado, fez com que cada minuto com estas meninas fosse uma grande surpresa para mim. Enquanto eu me arrumava para um jantar de trabalho, penteando o cabelo ou pintando os olhos na frente do espelho, sempre tinha uma das duas ao meu lado, com sua escova de cabelo fazendo igual. Então, era só eu esquecer o batom sobre a penteadeira para a pequenina pegá-lo e se dirigir ao mesmo espelho onde eu acabara de me maquiar e começar a fazer os mesmos movimentos que ela acabara de assistir atentamente. 
Como eu ainda não tenho filhos, minha convivência com crianças se resume a, basicamente, crianças com algum atraso no desenvolvimento. Assim, estes dias com as filhas de minha amiga foram marcantes, pois eu vivi mais de perto a simplicidade, a naturalidade e a fluidez do aprendizado no desenvolvimento típico. Não é preciso esforço algum para uma criança com desenvolvimento típico aprender a escovar os dentes ou pentear seu cabelo, a imitação faz todo este serviço praticamente sozinha. O que a imitação não ensina, as instruções verbais do adulto corrigem rapidamente, e estas instruções não precisam ser pensadas, planejadas e quebradas em partes menores, as instruções podem ser incrivelmente naturais. Afinal, as crianças com desenvolvimento típico desenvolvem todas as habilidades verbais e sociais necessárias para compreenderem o que vêem e o que ouvem e, principalmente, estas crianças desenvolvem um interesse tão grande pelos outros indivíduos que torna altamente reforçador fazer igual a eles, parecer-se com eles, estar perto deles e fazer o que eles pedem. 
É pela ausência destas habilidades sociais e verbais e pela ausência desta motivação natural por imitar e seguir a instrução de outras pessoas, que o ensino de atividades de vida diária a crianças com autismo é tão difícil e merece estratégias cuidadosas e planejadas. 
As atividades de vida diária, bem como outras atividades complexas (isto é, compostas por mais de uma resposta), consistem em uma cadeia de respostas. Segundo Catânia (1999): 
“Quando quebramos uma sequência de comportamentos em seus componentes, podemos começar a tratar a sequência como uma sucessão de operantes diferentes, cada um definido pela consequência reforçadora de produzir uma oportunidade de emitir o próximo, até que a sequência seja terminada por um reforçador. Esse tipo de sequência é denominado uma cadeia de respostas. (...) Qualquer segmento da sequência serve à dupla função de reforçar a última resposta e de produzir as condições que ocasionam a resposta seguinte.” (pg. 142). 
Ou seja, uma cadeia de respostas ocorre quando uma variável antecedente inicial (estímulos do ambiente) evoca uma primeira resposta que produz uma consequência reforçadora que, por sua vez, além de fortalecer a resposta que a produziu, também funciona como estímulo antecedente que evoca a segunda resposta. Esta segunda resposta, então, produz uma consequência reforçadora que a fortalece e, também, evoca (como estímulo antecedente discriminativo) a terceira resposta, e assim por diante. 
Vamos a um exemplo prático: o comportamento de lavar as mãos consiste em uma cadeia de respostas, já que o estímulo antecedente “mãos sujas” evoca a resposta de ir até o banheiro, o que produz como consequência a visão da torneira. Esta consequência evoca a resposta de abrir a torneira, que produz a consequência “água”, que por sua vez evoca a resposta de molhar as mãos. As mãos molhadas são o estímulo discriminativo para pegar o sabonete. O sabonete nas mãos é o estímulo discriminativo para ensaboar as mãos, o que produz como consequência as mãos com espuma, que é a estimulação antecedente que evoca a resposta de enxaguar as mãos. Com as mãos molhadas temos o estímulo antecedente que deve evocar a resposta de enxugar as mãos. Vejamos este exemplo na tabela abaixo. As consequências de uma resposta são também o estímulo antecedente para a próxima resposta. 

ESTÍMULO ANTECEDENTE
RESPOSTA
CONSEQUÊNCIA
MÃOS SUJAS
IR ATÉ O BANHEIRO
VISÃO DA TORNEIRA
VISÃO DA TORNEIRA
ABRIR A TORNEIRA
ÁGUA
ÁGUA
MOLHAR AS MÃOS
MÃOS MOLHADAS
MÃOS MOLHADAS
PEGAR O SABONETE
SABONETE NAS MÃOS
SABONETE NAS MÃOS
ENSABOAR AS MÃOS
MÃOS COM ESPUMA
MÃOS COM ESPUMA
ENXAGUAR MÃOS
MÃOS MOLHADAS
MÃOS MOLHADAS
ENXUGAR AS MÃOS
MÃOS LIMPAS E SECAS
Ainda segundo Catânia (1999): 
“Algumas sequências de comportamento podem ser reduzidas a unidades menores e, dessa forma, a análise dos componentes pode ser confirmada experimentalmente, verificando-se o quanto os componentes são independentes uns dos outros.” (pg. 142). 
Com base nesta teoria, foi desenvolvida uma das principais estratégias comportamentais utilizadas no treino de AVDs, que recebe o nome de Análise de Tarefas (Task Analysis). Esta estratégia consiste em dividir uma tarefa complexa (cadeia de respostas) em seus componentes e ensinar cada tríplice contingência separadamente, com as ajudas necessárias para cada resposta e o reforçamento contingente à conclusão de cada passo, atingindo, posteriormente, a realização da tarefa de forma completa e independente. Esta estratégia garante o sucesso da criança e o reforçamento a cada etapa cumprida, tornando o aprendizado mais motivador e menos custoso do que se tentarmos ensinar a atividade inteira de uma só vez. 
Por exemplo, num treino da tarefa de escovar os dentes devemos, primeiro, dar as ajudas necessárias para a criança abrir a pasta de dentes e, assim que ela fizer isso, já reforçamos esta resposta. Depois, ajudamos a criança a colocar a pasta na escova e, então, reforçamos esta resposta, e assim por diante. Para as crianças autistas, entretanto, as consequências naturais de cada resposta (como exemplificadas na tabela acima) não serão suficientes para fortalecer a resposta anterior e nem evocar a próxima resposta. Por isso, é necessário utilizar reforçamento arbitrário, por exemplo, sempre que a criança fizer algo adequado (como retirar uma peça de roupa, com ou sem ajuda) devemos elogiá-la muito (reforço social) e consequenciar seu comportamento com algo que ela goste ou se interesse (um carrinho, uma música, um vídeo, etc). Esta consequênciação positiva aumenta a chance de o comportamento correto se repetir no futuro. Após o reforçamento, o adulto deve retirar o reforçador e combinar com a criança que ela o ganhará de volta assim que cumprir a próxima etapa da tarefa (próxima resposta da cadeia). Com isso, a atividade torna-se prazerosa e a criança vai adquirindo autonomia. 
As contingências que compõe a cadeia de resposta podem ser ensinadas paralelamente (todas ao mesmo tempo), quando a criança já tem alguns pré-requisitos como imitação e seguimento de instruções. Se o ensino paralelo não for eficiente, o analista do comportamento deve orientar os pais e/ou cuidadores a fazer o ensino da cadeia de respostas de trás para frente. Por exemplo, considerando a cadeia de respostas: Abrir a torneira - Molhar as mãos - Ensaboar as mãos - Enxaguar as mãos, começaríamos dando ajudas leves e reforçando apenas a resposta de enxaguar as mãos. As respostas anteriores seriam feitas junto com a criança (ajuda física total). Quando a criança aprender a resposta de enxaguar as mãos, ou seja, quando ela fizer isso de forma completamente independente, começamos o treino da resposta de ensaboar as mãos. Então, neste momento, fazemos o abrir a torneira e o molhar as mãos junto com a criança (ajuda física total), damos ajudas mais leves para ensaboar as mãos e reforçamos esta resposta diferencialmente e, finalmente, a criança enxágua as mãos de forma independente (afinal ela já aprendeu esta resposta na etapa anterior). E assim, de trás para frente, vamos gerando independência na cadeia toda. 
Além das ajudas motoras, que devem ser dadas da mais intrusiva (ajuda física total) para a mais leve (ajuda gestual), também é muito útil a utilização de pistas visuais (Pierce e Schreibman, 1994), ou seja, fotos de cada resposta que compõe a cadeia para a criança ir acompanhando durante a execução. Utilizamos as pistas visuais quando a criança já faz toda a cadeia de respostas apenas com ajudas gestuais do adulto. O objetivo, neste momento, é transferir a dica do adulto para as fotos e, assim, o adulto pode começar a se retirar do ambiente durante a execução da atividade. Para isso, tiramos fotos de cada etapa da tarefa, por exemplo, no banho, fazemos uma foto da criança ligando o chuveiro, outra foto dela se molhando, outra foto dela pegando o shampoo, outra foto dela ensaboando a cabeça, etc. Então, ao invés de dar dicas motoras ou instruções verbais, o adulto só mostra cada foto, para a criança iniciar a resposta. Com o tempo, pode-se deixar a sequência de fotos plastificadas pregada na parede dentro do box para a criança seguir sozinha e, então, o adulto pode não ficar mais por perto. 
Outro formato de estimulação visual que pode ser utilizado é o video modeling (Benamou, Lutzker e Taubman, 2002). Este procedimento consiste em mostrar um vídeo de alguém (do interesse da criança) executando uma atividade de vida diária imediatamente antes de a criança executar esta atividade. Este procedimento só deve ser utilizado quando a criança já tiver aprendido cada uma das respostas que compõem a cadeia, o vídeo é usado apenas como um lembrete da cadeia a ser executada. 
Todo este treino deve ser registrado pelo aplicador (pais ou cuidadores), para que o analista do comportamento possa analisar o processo e dar novas orientações. 
Referências Bibliográficas: 
Benamou, R. S., Lutzker, J. R. & Taubman, M. (2002). Teaching Daily Living Skills to Children with Autism Through Instructional Video Modeling. Journal of Positive Behavior Interventions, 4 (3), 166-177. 
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. (D. G. de Souza, Coord. Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1998). 
Pierce, K. L. & Schreibman,L. (1994). Teaching daily livings kills to children with autism in unsupervised settings through pictorial self-management. Journal of Applied Behavior Analysis, 27 (3), 471-481.

domingo, 21 de julho de 2013

Pesquisadores estudam autismo usando dentes de leite de crianças



A Fada do Dente »

No procedimento, os dentes de leite de crianças com autismo são coletados para %u2013 a partir das células da polpa (parte mole e avermelhada) - transformá-las em células-tronco diferenciadas em neurônios

 
Agência Brasil Publicação:10/06/2013 10:09Atualização:10/06/2013 10:19
A escolha pelas células da polpa do dente de leite se deu, principalmente, pela facilidade de obtenção (Marcos Vieira/EM/D.A Press)
A escolha pelas células da polpa do dente de leite se deu, principalmente, pela facilidade de obtenção
Para entender o autismo, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o professor Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, está desenvolvendo um projeto chamado A Fada do Dente. Durante o estudo, os pesquisadores têm coletado dentes de leite de crianças com autismo para – a partir das células da polpa (parte mole e avermelhada) – transformá-las em células-tronco diferenciadas em neurônios. Com isso, pretendem identificar as diferenças biológicas existentes nos neurônios com autismo, estudar o funcionamento e testar drogas.

“O foco do estudo é procurar entender o que acontece dentro do cérebro do paciente com autismo”, disse Patrícia Beltrão Braga, bióloga, professora da USP e coordenadora da pesquisa no país, em entrevista à Agência Brasil. Segundo ela, para que isso ocorra, seria preciso acessar as células que estão dentro do cérebro dos autistas. A ideia, então, foi recriar um modelo análogo, baseado na técnica desenvolvida pelo japonês Shinya Yamanaka, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina no ano passado.

Ele desenvolveu um método de reprogramação de uma célula já adulta transformando-a em uma célula-tronco semelhante às embrionárias, ou seja, as células adultas são rejuvenescidas até a fase correspondente a seis ou sete dias após a fecundação do óvulo. “A partir deste momento, pegam-se essas células e se produzem os neurônios, já que essas células embrionárias têm a capacidade de virar qualquer tecido ou órgão do corpo”, explica a pesquisadora.

Patrícia aprendeu a técnica de reprogramação celular desenvolvida por Yamanaka em 2008, quando foi aos Estados Unidos. Um ano depois começou a aplicá-la aqui no Brasil a partir das células de polpa de dentes de leite. “Pegamos as células de polpas de dentes de leite e produzimos as células embrionárias, que não são embrionárias de verdade e são chamadas de pluripotentes induzidas [técnica que rendeu o prêmio a Shinya Yamanaka]”, disse. “A gente programa essas células como se as puséssemos numa máquina do tempo: elas [células] voltam no tempo e viram células semelhantes às embrionárias para que depois consigamos induzir essas células a se diferenciarem e a produzir neurônios”, acrescentou.

A escolha pelas células da polpa do dente de leite se deu, segundo Patrícia, principalmente pela facilidade de obtenção. Mas ela também apontou outras vantagens: “Vimos que usando a célula da polpa do dente o procedimento seria um pouco mais rápido. E outra coisa: a origem embrionária das células dos dentes e do sistema nervoso é a mesma, e a gente acredita que ela possa se diferenciar mais facilmente em célula do cérebro do que outras que pudéssemos escolher. Por último, esse dente cai e a pessoa o jogaria fora.”

De início, o estudo pretende somente investigar a doença. Depois, disse Patrícia, os pesquisadores também pretendem fazer experimentações com medicamentos para ver se é possível reverter os sintomas do autismo. “O autismo é uma doença neurodegenerativa, classificada por uma tríade: basicamente o paciente tem uma dificuldade de atenção – ou, muitas vezes, a criança não fala direito – dificuldade de sociabilidade, ou seja, de se fazer amigos. Pode-se também ter alterações de comportamento.”

Os pais cujos filhos são diagnosticados com autismo podem ajudar no projeto entrando em contato com os pesquisadores por meio do e-mail projetoafadadodente@yahoo.com.br. Os pais cadastrados recebem então um kit para recolher o dente do filho quando ele cair. O kit é composto por um frasco com um líquido para preservar as células, gelo reciclável e uma caixa de isopor para mantê-las vivas. O único custo para os pais é com as despesas de envio do kit pelo correio.

Mas caso o dente de leite da criança caia e o kit não esteja por perto, a indicação é colocá-lo dentro de um copo com água filtrada e deixá-lo na geladeira para que a polpa não seque e as células não morram. O dente precisa ser colhido com rapidez para que seja viável o uso das células e não pode ser congelado.

"Metade dos criadores no Vale do Silício é autista"

Entrevista Revista Istoé

Escritora, intérprete do raciocínio animal e inventora da máquina do abraço, a cientista americana Temple Grandin, que sofre do mal, enumera gênios que, na sua avaliação, têm traços de autismo. Steve Jobs, Einstein e Van Gogh são alguns deles

Juliana Tiraboschi

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A psicóloga e doutora em ciência animal Temple Grandin, 65, é uma das maiores especialistas em manejo e bem-estar de animais para abate no mundo. Dá aulas na Universidade do Colorado (EUA) e presta consultoria para fazendas e abatedouros. Temple também é autista. Até os quatro anos, ela não emitia uma palavra. Teve dificuldades de aprendizado e sofreu bullying na escola. Depois que começou a entender que sua mente funcionava de maneira diferente da de outras pessoas, por meio de imagens e associações entre elas, passou a usar esse conhecimento para desenvolver novos sistemas e equipamentos de manejo humanizado de gado. Hoje, metade das fazendas dos Estados Unidos usa suas criações.

Autora de livros como “Na Língua dos Bichos”, “Thinking in Pictures” e “The Autisc Brain” (Pensando em Imagens e O Cérebro Autista, sem versões em português), a cientista teve sua vida retratada no filme “Temple Grandin”, produzido pela HBO e que acaba de ser lançado em DVD no Brasil. Por telefone, ela conta como controlou a doença, enumera gênios que sofriam do mal e incentiva o surgimento de personagens autistas como Linda, da novela “Amor à Vida”.
 
ISTOÉ - Como foi para você se ver retratada na tela? Aprovou a interpretação que a atriz Claire Danes faz de você?
Grandin – Gostei muito. O filme se passa nas décadas de 1960 e 1970, quando eu era adolescente e, depois, uma jovem adulta. Assisti-lo foi como entrar em uma máquina do tempo. Claire Danes se transformou em mim. Eu passei um dia com ela e lhe dei os filmes de família mais antigos que eu tinha. Ela também gravou minha fala e fez um trabalho com um treinador de voz. Para deixar o filme ainda mais realista, eu passei muito tempo com o diretor Mick Jackson e a produtora Emily Saines. Ela é mãe de uma criança autista, e era muito importante para ela que o filme fosse bom. A produção mostra muito bem o que é a doença.

ISTOÉ – Do que você mais gostou no filme?
Grandin – Apreciei muito que eles mostraram equipamentos que desenvolvi e como eu comecei meu negócio e minha carreira. Eu realmente construí aquele portão na fazenda da minha tia, que dava para abrir sem precisar descer do carro. E o tanque de mergulho para o gado foi mostrado exatamente como o construí [os tanques são usados para aplicar pesticidas na pele do animal antes do abate. Temple criou um design de tanque que faz com que o gado não se assuste com o movimento externo e caminhe mais calmamente em direção ao abatedouro]. Foi muito realista e correto. 

ISTOÉ – O filme usa inserções de imagens e efeitos para tentar mostrar como a sua mente funciona de um jeito diferente. É um retrato preciso?
Grandin – Sim, é assim que minha cabeça funciona. E eles também mostraram bem meus problemas sensoriais e dificuldades sociais. Gosto muito da parte em que um dos meus professores me pede para pensar em sapatos e eu me lembro, em imagens, de todos os sapatos que já tive na vida.

ISTOÉ – Quando você percebeu que era diferente das outras pessoas?
Grandin – Foi um processo gradual. Até por volta de vinte anos, eu acreditava que todo mundo pensava em imagens, como eu. Não havia livros sobre autismo para eu ler. Aos poucos, conversando com os outros, fui percebendo que não era assim. Ao fazer pesquisas para um de meus livros, eu entrevistei algumas pessoas. Eu pedia para elas pensarem em igrejas, por exemplo, e fiquei chocada em perceber que os outros veem na mente uma imagem genérica e vaga. Quando eu penso em igreja, vejo construções específicas, que eu já vi na vida. Fui percebendo que, quando desenhava equipamentos, eu podia vê-los funcionando em minha mente.
ISTOÉ – Em que circunstâncias você notou que podia entender a maneira de pensar dos animais?
Grandin – Quando fui trabalhar com gado. Logo que me formei na faculdade, percebi o que os assustava, vi que eles empacavam quando viam uma sombra, um raio de sol, uma poça de lama, imagens refletidas ou casacos pendurados nas cercas. Para mim era óbvio, mas as outras pessoas não percebiam isso. 
ISTOÉ – Você acredita que tem uma conexão especial com os bichos?
Grandin – Eu acho apenas que os entendo porque meu modo de pensar também é sensorial. Animais não sabem falar. Eles pensam em imagens, sons, cheiros e tato. Alguns dos melhores treinadores de cavalo ou outras pessoas que lidam com animais que conheço são levemente autistas, têm dislexia, déficit de atenção ou alguma dificuldade de aprendizado ou de leitura. Elas usam menos palavras, seu pensamento é muito menos verbal. O autismo também é um contínuo. Metade das pessoas que trabalham no Vale do Silício, gente que inventou os computadores, cai no espectro do autismo. Elas não são muito sociáveis e são muito inteligentes. Acredito que Steve Jobs podia ter Síndrome de Asperger, um transtorno do espectro autista. Hoje os médicos estão começando a mudar os critérios e considerar autismo e Asperger uma coisa só. Albert Einstein não falou até a idade de três anos. Muitas clínicas o diagnosticariam como autista.
ISTOÉ – Quais outros cientistas, artistas ou personalidades você acha que podem ter sido autistas?
Grandin – Talvez Van Gogh, Gregor Mendel e Thomas Jefferson. Van Gogh era socialmente estranho quando criança. Mendel também. E, quando ele se sentiu entediado no monastério, começou a fazer experimentos com ciência. Jefferson era pouco sociável e muito metódico e tinha algumas manias.

ISTOÉ – Uma de suas criações é a “máquina do abraço”, que pressiona o corpo e funciona como um substituto do contato humano para quem não o tolera. Foi observando sistemas de contenção de gado que você teve a ideia de construir o equipamento?
Grandin – Sim, tive essa ideia no rancho da minha tia. Ainda tenho uma máquina, mas ela quebrou, e agora eu abraço pessoas de verdade, então não preciso mais dela.
RW-Photo-Temple-with-Cow.jpg 
ISTOÉ – Como foi o seu processo de aproximação das pessoas?
Grandin – O problema é que eu era extremamente sensível. Quando você abraça alguém, se sente bem. Comigo a sensação era tão intensa que eu não podia tolerá-la. Era como um maremoto para mim. Gradualmente, usando a minha máquina, com a qual eu podia controlar a intensidade do abraço, fui me dessensibilizando. A máquina me treinou para tolerar os abraços reais.
ISTOÉ – A sua fobia social está sob controle?
Grandin – Sim. O filme me mostra na época em que sofria de uma terrível ansiedade social, antes que eu começasse a me tratar com antidepressivos, o que venho fazendo há 30 anos. Esses medicamentos fazem diferença para muitos autistas, já que interrompem os ataques de pânico. Hoje a ansiedade está controlada. Também faço exercícios físicos, o que me ajuda bastante. Fiz terapia só quando era criança, porque os médicos achavam que o autismo era um problema puramente psicológico, o que não é verdade. E também tive muitas pessoas que me ajudaram. Há uma cena no filme em que meu chefe joga um frasco de desodorante na minha mesa e manda a secretária dele me levar para comprar roupas novas. Aquilo aconteceu de verdade. Eu vivia suja de trabalhar na fazenda, e tinha de parar de ser uma desleixada. Fiquei chateada quando ele fez isso, mas queria o trabalho e sabia que precisava mudar. Ele fez a coisa certa.

ISTOÉ – Se não fosse pelo autismo, você acha que seria tão bem-sucedida na sua profissão de criar sistemas mais humanizados de manejo animal?
Grandin – Acho que o autismo me ajudou com os animais. Mas o que também me ajudou foi trabalho duro. Quando estudei em um internato rural, durante o ensino médio, eu me dedicava muito a cuidar dos cavalos, limpava oito estábulos por dia. Comecei minha empresa realizando um projeto por vez e fui desenvolvendo minhas habilidades. Aqui nos EUA, muitas crianças são rotuladas como autistas ou disléxicas e não são estimuladas a fazer coisas novas.
ISTOÉ – Tem algum projeto seu do qual você se orgulhe mais?
Grandin – Um dos que mais teve impacto é um sistema de avaliação e auditoria de bem-estar animal que desenvolvi para abatedouros. Ele mede coisas simples, como o quanto o gado vocaliza, ou seja, muge, ou com qual frequência os animais caem. Sei que esse sistema é usado no Brasil também. Também me orgulho dos equipamentos de contenção de gado. E gosto muito do tanque de mergulho mostrado no filme. Eu estava começando minha carreira. Muita gente achava que eu era estúpida, e o projeto serviu para eu provar o contrário. É por isso que eu digo que é importante estimular as crianças autistas, encontrar um talento — música, escrita, arte, design, animação, computação — e desenvolver essa habilidade.  Minha aptidão para arte e desenho sempre foi estimulada. O que foi muito útil, pois passei a usá-la para criar meus designs.
ISTOÉ – Há um trecho no filme em que sua personagem diz que não queria ir para a universidade porque não entendia as pessoas. Isso mudou?
Grandin – Bom, eu entendo as pessoas muito melhor hoje. Fui aprendendo gradualmente, com novas experiências, e lendo muito. Leio muito sobre diplomacia internacional, que é mais ou menos como as relações sociais. Também amo ler sobre ciência e revistas de negócios, sobre pessoas bem-sucedidas. Quando fui para a universidade, decidi estudar psicologia para me entender melhor. Depois estudei ciência animal.
ISTOÉ - E estudar psicologia ajudou?
Grandin - Sim, mas temos de lembrar que, naquela época (década de 1960), não havia muitos livros sobre autismo. Hoje temos muitos recursos, muito material na internet. Minha maior dificuldade na faculdade foi ser colocada para viver em uma moradia estudantil com outras duas companheiras de quarto. Foi muito difícil, não conseguia dormir nem estudar. Havia muito barulho. Depois me colocaram para morar com apenas uma estudante, e isso funcionou.
ISTOÉ – Quando sua mãe levou você a um médico para avaliar a sua mudez, ouviu que o autismo era causado pela falta de vínculo com a mãe, carência de amor e de atenção. Hoje a cientistas já constataram que essa é uma noção totalmente equivocada. Qual foi o impacto desse diagnóstico?
Grandin – Ela se sentiu muito mal. Eu é que a rejeitava, porque eu não gostava de ser abraçada. Nossa relação foi difícil na infância, mas a minha mãe sempre tentou buscar boas escolas e me estimular a fazer coisas novas. Vejo hoje muitas crianças sendo superprotegidas, pois os pais têm medo de soltá-las no mundo. Não foi o meu caso. Um exemplo aconteceu na minha adolescência, antes de entrar na faculdade. Quando fui passar uma temporada no rancho da minha tia, eu estava com medo. Ao notar isso, minha mãe disse: “Você pode ir por uma semana ou por todo o verão, mas não ir não é uma opção”. Ela tinha um instinto extraordinário de saber até quando devia me pressionar. E também sabia que eu não tolerava surpresas. Então, antes de eu ir para a fazenda, ela me mostrou fotos de lá e conversei com a minha tia por telefone. Outro fator que me ajudou muito a controlar a doença foi o estilo de educação dos anos 1950. As crianças eram ensinadas a ter boas maneiras na mesa e a cumprimentar os adultos, por exemplo. Hoje, as coisas estão muito soltas. Isso prejudica as crianças que sofrem de formas leves de autismo. Elas precisam aprender habilidades sociais.

ISTOÉ – Que outras dicas você dá para pais de crianças autistas?
Grandin – É preciso tomar muito cuidado com estímulos sensoriais. Há crianças que não toleram ir a lugares muito barulhentos ou cheios. Não suportam roupas ásperas ou se incomodam com luzes fortes. Para estes últimos, usar óculos de lentes coloridas pode ajudar, por exemplo. Para lidar com a sensibilidade ao som, um caminho é dar o controle do barulho para a criança. Um exemplo: se a criança tem medo de bexigas, os pais podem deixar que ela estoure os balões e se acostume ao ruído, gradualmente.

ISTOÉ – Você só começou a falar depois dos quatro anos. Que lembranças você tem dessa fase?
Gandin – Lembro de tentar me comunicar e não conseguir. E isso era muito frustrante. Comecei a fazer terapia aos dois anos e meio com dois professores excelentes, que usavam os mesmos métodos aplicados pelos profissionais de hoje. É muito importante que os pais saibam que, se têm uma criança de dois, três anos que não fala, devem começar a trabalhar com elas. Brincar com jogos, cantar músicas, falar as palavras pausadamente e pedir para o filho repetir. Quanto mais cedo começar a estimular, melhor.
ISTOÉ – Você teve muitos amigos na infância?
Grandin – Sim, quando estava com cerca de 10 anos eu tinha amigos, porque eu era muito boa em projetos e arte. Isso atraía as outras crianças, que sempre queriam brincar comigo. Eu comecei a ter problemas no ensino médio, quando as meninas só pensavam em garotos, em namorar. A adolescência foi o pior período da minha vida. Eu tinha alguns amigos com interesses em comum, mas muitos alunos tiravam sarro de mim e me xingavam. Eu cheguei a ser expulsa de uma escola por bater em um garoto. A faculdade foi melhor, mas ainda tinha problemas sociais.

ISTOÉ – Há uma novela sendo transmitida no Brasil atualmente que mostra uma personagem autista (Linda, de “Amor à Vida”, interpretada por Bruna Linzmeyer). É sempre benéfico o fato de programas populares tratarem do tema?
Grandin – Sim, é ótimo que estejam fazendo isso. Mostrar esse tipo de personagem para o maior número possível de pessoas diminui o desconhecimento e os preconceitos. Espero que meu filme se torne tão popular quanto as novelas no Brasil.
 
http://www.istoe.com.br/reportagens/314667_METADE+DOS+CRIADORES+NO+VALE+DO+SILICIO+E+AUTISTA+

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Cientista brasileiro estuda remédio promissor para tratar autismo


28/06/2013 07h19 - Atualizado em 28/06/2013 07h29

Colunista do G1 estuda neurônios criados com células-tronco de autistas.
Alysson Muotri relata ter obtido resultados preliminares, mas positivos.

Rafael Sampaio Do G1, em São Paulo
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'É possível reverter neurônios autistas para um estado normal, ou seja, o estado autista não é permanente', diz Alysson Muotri (Foto: cortesia UC San Diego)O biólogo brasileiro Alysson Muotri, professor e
pesquisador nos EUA (Foto: cortesia UC San Diego)
O biólogo brasileiro Alysson Muotri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA, relatou ter obtido resultados preliminares, mas promissores, em pesquisas com medicamentos para tratar efeitos do autismo em crianças.
Analisando os genes de pacientes e reprogramando células-tronco obtidas a partir de células comuns para que elas se tornem neurônios, o cientista e sua equipe têm estudado em laboratório drogas que ajudem a reduzir as limitações presentes em autistas.
Em uma das pesquisas, apresentada em congressos, mas ainda não publicada em revista científica, Muotri, que é colunista do G1, aponta ter encontrado vínculo entre mutações genéticas que prejudicam a formação de sinapses (ligações) dos neurônios e alterações causadas pelo autismo. O estudo com uma criança que apresenta uma forma específica de autismo apontou que ela tem um gene defeituoso que dificulta a entrada de cálcio nos neurônios, o que atrapalha a proliferação das sinapses.
Os pesquisadores retiraram células comuns da criança e fizeram com que elas voltassem a ser células-tronco. Depois, elas foram reprogramadas para se tornarem neurônios. Eles, então, testaram medicamentos para estimular em laboratório o bom funcionamento do gene. "Todo mundo tem duas cópias de cada gene. No caso desta criança, ela tem uma cópia que está mutada [sofreu mutação] e outra que é funcional. Achamos uma droga que estimula o gene ativo a ‘funcionar’ em dobro", disse Muotri, que é pós-doutor em neurociência e células-tronco pelo Instituto Salk de Pesquisas Biológicas, também na Califórnia.
O medicamento que estimula o receptor de cálcio respondeu bem aos testes em laboratório e passou a ser administrado ao paciente diluído em chá, para avaliar os resultados. As primeiras observações, após um mês, mostram que a criança tem progredido em atenção e sociabilização. "Avaliamos através de questionários aplicados para os pais, professores, amigos da criança. Fizemos uma observação antes e depois da droga", aponta Muotri.
"Os dados que obtivemos depois de um mês são promissores, eles mostram melhora na atenção e na sociabilidade da criança", relata o professor. "Não é tão significativo porque tivemos que dar uma dose pequena", pondera, mas a descoberta é importante. "Abre uma perspectiva que estamos chamando de medicina personalizada. Baseado no genoma da pessoa e em testes com células-tronco induzidas, pode ser possível definir qual a melhor droga e a melhor dose a ser usada em um indivíduo", diz.
O caso do autismo é singular porque há vários tipos de distúrbios, causados por situações e mutações distintas. "Dificilmente você vai encontrar uma droga que vale para todo mundo", avalia Muotri. Ele diz que o tratamento que está sendo proposto, o da medicina personalizada, é similar ao que ocorre com alguns tipos de câncer. "Você retira algumas células e vai testando, até encontrar o medicamento e a dose certa."
O pesquisador vem ao Brasil neste sábado (29) para dar uma palestra no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), às 14h. A apresentação será em torno do tema: "Remodelando Neurônios Autistas com Células-tronco", e será mediada pela pesquisadora Patrícia Beltrão Braga, da USP.
Cérebro maior
O grupo capitaneado por Muotri também está investindo em outra linha de pesquisa - analisar dez crianças autistas com quadro clínico parecido, de cérebro com tamanho maior do que o normal. Os pesquisadores estão estudando se estes pacientes têm características genéticas similares, como alguma mutação.
A hipótese dos cientistas é que, se as crianças têm um cérebro grande, é porque elas têm mais neurônios do que o necessário para sua idade - por algum motivo as células nervosas podem ter crescido descontroladamente. "Nós estamos pesquisando drogas que inibam o crescimento dessas células. A ideia é controlar o aumento, estamos fazendo testes em laboratório", diz Muotri.
A previsão do professor é que essa linha de pesquisa vai dar respostas mais rapidamente. "Proliferação celular é algo que é estudado há muito tempo", pondera. "Talvez dois anos para começar a ter resultados com drogas.”
A Associação Brasileira de Autismo, Comportamento e Intervenção do Distrito Federal - Abraci-DF promoveu na manhã deste domingo(16), no Parque da Cidade, em Brasília, o evento "Juntos Somos Mais". Os organizadores montaram um posto de informação para tira (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr )Atividade promovida pela Associação Brasileira de
Autismo, Comportamento e Intervenção do DF
(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr )
Neurônios vivos
Um dos grandes problemas para entender o autismo é conseguir obter neurônios vivos, ressalta Muotri. "Muitas vezes são usados tecidos de autistas mortos, analisados depois que um paciente morre." Mas o avanço de pesquisas em células-tronco pluripotentes induzidas (conhecidas como células iPS, em inglês) está abrindo um novo caminho no estudo do autismo, diz o professor.
"A ideia é pegar células do paciente - cabelo, pele, polpa do dente - e fazer com que elas voltem a ser células-tronco. Então você as induz a se tornarem neurônios", explica o cientista. Pesquisas recentes apontam que o cérebro dos autistas, em geral, realiza menos sinapses (ligações entre neurônios para transmissão de informações), o que está sendo explorado nas pesquisas científicas.
"Começamos a testar medicamentos para elevar o número de sinapses, e alguns deles têm funcionado. Drogas como o fator de crescimento insulínico [IGF-1, na sigla em inglês]", diz Muotri. Um dos problemas do IGF-1 é que é uma proteína muito grande, que não consegue ser bem absorvida pelas camadas mais externas do cérebro. Moléculas menores estão em estudo, afirma o professor.
A novidade dos pesquisadores é que os testes com estas drogas até agora estavam restritos ao laboratório, e vão começar a ser aplicados em pacientes em breve. "A fase clínica de toxicidade já foi aprovada para alguns grupos que estão estudando crianças autistas. A ideia agora é testar em um número maior de crianças, para saber se, com seis meses a um ano de tratamento, elas estão melhores em diferentes aspectos, como respiração, ansiedade", informa Muotri.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Pesquisa revela conexões cerebrais fracas em crianças autistas


Estudo mostra razão pela qual autistas têm falta de sensibilidade à voz.
Pesquisadores fizeram imagens cerebrais por ressonância de 20 crianças.
Da AFP

Algumas crianças com autismo têm conexões cerebrais fracas nas regiões que relacionam o discurso com o sistema de recompensa emocional, revelou uma pesquisa na última segunda-feira (17), abrindo caminho para novos tratamentos.

O estudo publicado na revista "Actas" da Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos (PNAS) sugere, pela primeira vez, que a razão pela qual as crianças com autismo mostram uma falta de sensibilidade à voz humana pode se vincular a circuitos defeituosos nos centros de recompensa do cérebro.
"Uma conexão cerebral fraca pode impedir as crianças com autismo de experimentar o discurso como algo agradável", disse Vinod Menon, um dos autores do estudo e professor de Psiquiatria e Ciência do Comportamento na Universidade de Stanford, Califórnia (oeste).
Os pesquisadores fizeram imagens cerebrais por ressonância magnética de 20 crianças com um tipo alto de autismo. Elas têm um coeficiente intelectual normal, podem falar e ler, mas mostram dificuldades na conversa e na compreensão de sinais emocionais.
saiba mais
Estudo de Harvard relaciona poluição com possibilidade de autismo
Remédio criado para tratar autismo não traz melhora em estudo
Ao comparar as imagens com as de 19 crianças sem autismo, os cientistas descobriram que os cérebros dos menores com autismo mostravam baixas conexões com regiões do cérebro que liberam dopamina em resposta a recompensas.
No lado esquerdo do cérebro, as crianças autistas mostraram conexões fracas com o núcleo accumbens e a área tegmental ventral. Já no lado direito, no córtex de voz seletiva, onde são detectados os sinais vocais e de tom, havia um conexão fraca com a amígdala cerebral, que processa os sinais emocionais.
Os pesquisadores também determinaram que uma conexão mais baixa supõe uma pior capacidade de comunicação.
"A voz humana é um som muito importante. Não apenas dá significado, mas proporciona informação emocional fundamental para uma criança", afirmou outro autor, Daniel Abrams, um pesquisador de Pós-Doutorado em Psiquiatria em Stanford.
"Somos os primeiros a mostrar que essa falta de sensibilidade pode ser resultado de problemas de sistemas de recompensa no cérebro", completou.
Os resultados também sustentam a teoria de que as pessoas com autismo têm um déficit na motivação social que explica sua falta de atenção às vozes e às palavras, em vez de um déficit sensorial que lhes impede de ouvir palavras.
"É provável que as crianças com autismo não prestem atenção às vozes porque não são gratificantes, ou emocionalmente interessantes, o que afeta o desenvolvimento de sua linguagem e de suas habilidades de comunicação social", disse Menon.
"Descobrimos um circuito cerebral anormal que está por trás de um déficit básico no autismo. Nossas descobertas podem ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos para esse transtorno", acrescentou.
Investigações adicionais também podem revelar se uma terapia chamada Treinamento de Resposta Essencial (PRT, do inglês "Pivotal Response Training"), que tenta motivar as crianças a usar a linguagem para a interação social, tem algum efeito no fortalecimento desses circuitos cerebrais.
O autismo, um transtorno do desenvolvimento cada vez mais diagnosticado, afeta uma em cada 88 pessoas nos Estados Unidos.
FONTE:
http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2013/06/pesquisa-revela-conexoes-cerebrais-fracas-em-criancas-autistas.html

sábado, 1 de junho de 2013

Novela 'Amor à Vida' chama atenção para o autismo e para histórias de perseverança

Mães de crianças com autismo falam das dificuldades e conquistas diárias


Novela 'Amor à Vida' chama atenção para o autismo e para histórias de perseverança 1/Agencia RBS
Muryllo recebe o auxílio exclusivo da educadora Sandra, que atua como segunda professora Foto: 1 / Agencia RBS
Caroline Stinghen
A personagem Linda, da novela "Amor à Vida", da Rede Globo, interpretada pela atriz catarinense Bruna Linzmeyer, chama a atenção para o drama vivido pelos autistas. "A Notícia" conversou com três mães de crianças com autismo para mostrar as dificuldades e as conquistas.

Dificuldades começam no diagnóstico

Foi difícil entender por que Muryllo, quando ainda tinha dois anos, não conseguia falar as primeiras palavras comuns para crianças da idade dele. A mãe Amanda Zimmerhansl Leite, de 28 anos, estranhou a dificuldade do caçula em interagir com outras crianças.

— Ele entrava no armário e ficava lá —, lembra Amanda.

Com a ajuda de um neurologista e de psicólogos, ela conheceu o autismo - transtorno global de desenvolvimento. Depois do choque momentâneo, a família aprendeu a conviver com a condição de Muryllo e a ser tão feliz quanto qualquer outra. Eles estão acostumados com as pequenas diferenças e sabem aceitar as limitações de cada pessoa.

Após o momento da descoberta do diagnóstico, algumas mudanças tiveram de ser feitas na casa da família Leite. Amanda não pode mais voltar a trabalhar. A dedicação a Muryllo, hoje com seis anos, precisava ser total. A irmã Julya, de oito anos, aceitou bem.

— Com cinco anos, ela me disse que entendia a situação. E que iria cuidar dele por toda a vida. Imagine uma menina de cinco anos falar isso. Foi a coisa mais linda que aconteceu —, conta a mãe.

O apoio da irmã ultrapassou as paredes da casa e continuou no colégio. Os dois frequentam a Escola Estadual Jandira D'Ávila, no bairro Aventureiro. Ele entrou no primeiro ano do ensino fundamental _ assim como todas as demais crianças de sua idade _ e ela está no segundo. Quando o menino anda com Julya no recreio, ele é frequentemente abordado pelas demais crianças. Eles querem segurar a mão, interagir com o colega e ajudar de alguma forma.

— As meninas costumam beijar ele no rosto. Não gosto muito disso —, diz Julya, enciumada.

O afeto dentro da família é tão evidente que é até retratado em uma camisa que Julya fez questão de usar durante a reportagem: "Eu tenho um irmão autista", acompanhada de uma foto da dupla.

O carinho da família é bastante diferente do que é retratado todos os dias na novela das nove da Rede Globo, "Amor à Vida".

A atriz catarinense Bruna Linzmeyer, que nasceu em Corupá, interpreta a autista Linda. Na telinha, apesar da preocupação dos pais e do irmão mais velho, a irmã Leila ainda encontra dificuldades para entender o que se passa com Linda.

A importância das descobertas

No começo, também passamos por isso, não conseguíamos entender por que ele não obedecia, por que ele se isolava, por que as coisas tinham que ser do jeito dele. Hoje, nós sabemos que ele também precisa de limites e que precisa seguir uma rotina à risca —, explica Amanda, que tem acompanhado a novela.

Para a atriz, a preparação para viver uma jovem com autismo na ficção foi uma das coisas "mais ricas e emocionantes" que ela já viveu. Foram nove meses de estudos sobre o tema.

— Isso me acrescentou tanto que eu nem sei descrever. Eu fico até emocionada quando penso em tudo que aprendi. Esse é um universo muito rico, que me fez olhar tudo com outros olhos. Percebi que todos nós temos diferenças e semelhanças, medos e limitações, deficiências físicas e intelectuais. Não tenho dúvida de que não sou mais a mesma pessoa —, disse a atriz ao jornal carioca "Extra".

Érica adora ler


Foi no modo de brincar que a professora de inglês Jaqueline Lopes, 30 anos, notou que a filha Érica Lopes dos Santos, hoje com seis anos, estava com algum problema. A garota se isolava demais. Procurou a ajuda de pediatras, que confirmavam que não havia nada de estranho nisso. Mas a mãe estava desconfiada. Foi com a ajuda do médico pediatra Edmundo Weber Filho que ela encontrou o significado: o autismo.

Érica tem síndrome de Asperger, uma forma leve de autismo. Mesmo assim, Jaqueline largou o trabalho para cuidar integralmente da pequena.

— Ela frequenta a Escola Elias Moreira, no 1º ano do ensino fundamental, e tem notas ótimas. O apoio que ela recebe dos profissionais da escola nos ajuda muito —, destaca a mãe.

Assim que Érica tiver mais autonomia, Jaqueline pretende voltar a trabalhar.
Em casa, uma das atividades preferidas da menina é ler. O que faz muito bem. A concentração dela é tanta, que chega a encantar quem a ouve lendo as historinhas, inclusive, com entonação. Outra paixão são os cachorrinhos da coleção Chi-chi.

— Se perguntar o número de cada cão do catálogo, ela vai saber dizer qual a raça —, conta uma orgulhosa Jaqueline.

O que é autismo?
A primeira coisa que precisa ficar claro é que o autismo não pode ser considerado uma doença. É um transtorno global do desenvolvimento.

— Podemos chamar de síndrome, porque o autista tem um conjunto de sintomas. E cada pessoa pode ter um conjunto diferente —, explicou a psicóloga e especialista em autismo Ana Carolina Wolff Motta, que atua na Associação dos Amigos do Autista (AMA) de Joinville.

Os graus do autismo podem ser divididos em leves, médios e graves _ quando a dificuldade de interação é grande, o comportamento é bastante agressivo e há retardo mental.

As características principais e a mais visível é a dificuldade de interagir socialmente. Está é a primeira coisa que os pais percebem, quando os filhos ainda são bebês. Muitos ainda têm problemas na visão, na audição e, principalmente, na fala. O comportamento também pode ser restritivo e repetitivo. Muitas crianças costumam repetir os que os pais e professores falam.

— Esta é a grande batalha. Fazer com que a criança não só repita o que falamos. Mas que ela consiga se comunicar, que consiga se expressar —, explica.

É importante destacar ainda que nem todos os autistas têm deficiência intelectual. Segundo estudos, cerca de 60% a 70% deles possuem.

— Muitos têm um grau mais leve de autismo. Na síndrome de Asperger, por exemplo, a principal característica é o isolamento e até a irritação em alguns casos. Mas eles não possuem dificuldade na fala e no aprendizado —, afirma Ana Wolff.

O tratamento do autismo pode ser realizado com medicamentos, em casos mais graves, mas principalmente com o apoio de profissionais como psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e neurologistas e, claro, dos pais. O acompanhamento deve ser diário.

As conquistas ocorrem todos os dias

Na AMA, por exemplo, as salas de aula contam com no máximo quatro alunos. Duas professoras os ajudam a entender jogos didáticos _ com formas geométricas, os ensinam a ir ao banheiro, a brincar, a conhecer letras, animais e cores. O trabalho é de formiguinha, mas o resultado é gigantesco.

Atualmente, 85 crianças e adultos são atendidos pela AMA, que completou neste ano 25 anos de atividades. A entidade é mantida com doações e parcerias. Para ajudar, as doações em dinheiro podem ser feitas na conta de número 06759-8, agência 0828-1 do Banco do Brasil.

Direito de ir à escola

Desde dezembro de 2012, a publicação da lei chamada de Berenice Piana trouxe novos direitos aos autistas brasileiros. Depois de anos de luta, a carioca Berenice, mãe de um jovem com autismo, conseguiu convencer deputados, senadores e a presidente Dilma Rousseff de que autismo é um tipo de deficiência. Junto disto, todos os direitos que os deficientes físicos e intelectuais conquistaram ao longo dos anos foram concedidos aos autistas.

— Antes da lei, o autista era invisível. Se uma escola não quisesse matricular uma criança, ela poderia simplesmente negar. Hoje não é mais assim —, explica a própria Berenice Piana.

Mesmo com a lei, em vigor há seis meses, pais joinvilenses encontraram dificuldades em matricular autistas na rede pública. A dona de casa Sandra Mara Gretter, 37 anos, por exemplo, não encontrou vaga nos centros de educação infantil. O filho, Vítor Pinter, de quatro anos, tem autismo e ainda não consegue falar. Ele precisava do apoio da chamada segunda professora ou da educadora, que atuam em escolas para garantir a educação inclusiva.

Batalha para que lei seja cumprida


Na luta desde o ano passado, foi somente em maio, há cerca de três semanas, que Sandra conseguiu uma vaga em um CEI perto da casa dela.

— Primeiro, encontraram um lugar em um CEI do São Marcos, sendo que moro no bairro Floresta. Pressionei mais um pouco para conseguir uma vaga perto de onde moro —, conta a mãe.

Vítor está na escola com crianças da idade dele, com uma auxiliar, que poderá garantir a melhoria e o avanço na interação com as demais pessoas.

— Notei a diferença nestes poucos dias que ele está no CEI —, ressalta Sandra, sobre a importância da inclusão nas escolas regulares.

No caso de Muryllo Leite, a vaga em uma escola foi mais fácil de ser encontrada. A Escola Jandira D'Ávila conta com 17 alunos com algum tipo de deficiência ou transtorno. O filho de Amanda Leite ainda é o único autista e conta com o apoio da segunda professora, Sandra Esther Soares, que cuida exclusivamente dele.

— As demais crianças sabem que Muryllo é diferente. Que muitas vezes as atividades precisam ser outras, que temos um horário para fazer trabalhos embaixo de uma árvore que existe no pátio, enquanto eles ficam na sala, por exemplo. E eles entendem muito bem. Todos querem ajudar —, salienta a professora.

Salas multifuncionais

A supervisora do Núcleo de Educação Especial da Prefeitura de Joinville, Caren Fettback, diz que na rede municipal os auxiliares de educadores atuam nas salas de recursos multifuncionais, no contraturno do ensino regular e nas salas de aula. A cidade tem atualmente 42 salas multifuncionais. O objetivo é chegar a 58 até o fim do ano que vem.

Para conseguir uma vaga em escolas e CEIs, o processo é igual para todos.

— Muitas vezes, os pais reclamam que não encontram vagas, mas temos uma demanda muito grande. Eles entram na fila com os demais interessados e, às vezes, não conseguem uma vaga perto de casa —, observa a supervisora.

Atualmente, 844 crianças e adolescentes que possuem algum tipo de deficiência estudam nas escolas municipais de Joinville. A Prefeitura também tem uma parceria com a Associação dos Amigos dos Autistas (AMA). Ela lembra que a cidade foi eleita ainda neste ano como a mais inclusiva do Brasil.

Luta pelos autistas

Berenice Piana, carioca, mãe de autista e uma das idealizadoras da lei que leva o seu nome e que garante direitos às pessoas com autismo

Hoje, meu filho tem 19 anos. Quando ele era criança, pouco se falava em autismo, muito menos sobre o tratamento. Dayan não se enturmava, ele deixou até de usar roupas. A maior luta da minha vida foi encontrar profissionais que diagnosticassem meu filho com autismo. Eu mesma tive que diagnosticá-lo. A confirmação só veio quando ele tinha seis anos, depois de insistir muito. Com o passar dos anos, a situação não havia mudado. Não existia nada para proteger os autistas. Resolvi então me mexer. Resolvi ir a Brasília. Bati na porta de muitos gabinetes e ouvi muito "não". Até que o senador Paulo Paim (RS) me ajudou. Ele ficou impressionado com a minha luta. Conseguimos realizar uma audiência pública sobre o assunto. Para a nossa surpresa, vieram profissionais de todas as partes do País.

Foi em 2009 que a nossa luta realmente começou. Foram três anos até a sanção da lei. Várias vezes tive que brigar para o projeto não ser arquivado. Em dezembro de 2012, tivemos uma vitória maravilhosa, quando a lei foi assinada pela presidente Dilma Rousseff.

Muitos relutaram pelo fato de chamar o autista de deficiente. Mas a própria Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu isso em 2008. Também não tivemos outra opção para garantir os direitos. Vimos muitos pais chorando porque seus filhos não conseguiam ir para escola, não conseguiam um trabalho. Agora, temos uma nova luta. Tirar a lei do papel e exigir o cumprimento dela. Os pais que não conseguirem matricular seus filhos em escolas precisam fazer a denúncia ao Ministério Público. O preconceito também precisa ser denunciado. Só assim vamos garantir o direito aos autistas.
Confira uma galeria de fotos:

http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2013/05/novela-amor-a-vida-chama-atencao-para-o-autismo-e-para-historias-de-perseveranca-4156529.html